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Resenha: Eu morreria por ti – F. Scott Fitzgerald

eu morreria por ti - f scott fitzgerald

Resenha do livro de contos “Eu morreria por ti” de F Scott Fitzgerald

Atenção: esse texto contém spoilers. Se você ainda não leu este livro, recomendo que o faça antes de se aventurar por essas linhas.

Como a obra reúne três contos distintos, sem relação entre si, vou falar deles separadamente, porém, há alguns pontos que me chamaram a atenção nos três contos igualmente:

1. As personagens são estereotipadas, o que me incomodou principalmente com as femininas;

2. Talvez pelo ponto acima, as histórias me parecem inverossímeis, não pelo conflito em si, mas pelas escolhas, atitudes etc. das personagens;

3. O amor e o “ato” de se apaixonar é tratado com certa leviandade, tudo acontece de forma muito rápida e intensa.

Desconheço se as pessoas viviam como as personagens de Fitzgerald à época em que ele escreveu os contos; ao lê-los nos dias de hoje, me parecem um tanto deslocados.

“A Promissória”

É um conto divertidíssimo. É narrado por um editor que se desespera ao, por acaso, descobrir que o sobrinho morto na guerra que teria ditado histórias para seu tio, na verdade, está vivo. Isso tudo poucos dias antes do lançamento do livro. O sobrinho, furioso porque o livro o retrata de forma nada lisonjeira, a seu ver, acaba aceitando a proposta do editor em se esconder por dez anos, até que o livro esteja totalmente explorado e o tio, provavelmente morto. O desfecho é surpreendente e cheio de humor: o plano não poderá ser executado porque um homem, para quem o “falecido” havia assinado uma promissória no valor de três dólares e oitenta centavos, o reconhece na rua e denuncia seu paradeiro à imprensa, que aparece na casa do tio.

Eu gostei bastante desse conto! Primeiro porque me leva a uma época em que a ausência de smartphones tornaria essa história possível; quantas pessoas foram dadas como mortas na guerra e reapareceram depois?

Depois, achei interessantíssimo que em nenhum momento o tio, autor do livro, foi rotulado como trapaceiro, embora o próprio desenrolar dos fatos não deixe dúvidas disso. É impressionante como Fitzgerald constrói a narrativa de forma que em poucas páginas fique clara a motivação de cada personagem para resolver o conflito: o tio cairá no descrédito total, o editor perderá muito dinheiro com os livros já impressos que não serão vendidos ou serão devolvidos, a namorada do sobrinho vislumbra a garantia de um casamento confortável bancado pelo editor caso eles se escondessem e, por fim, o sobrinho que balança entre a oferta e a recuperação de sua dignidade.

O que eu gostei mais no desfecho é que a personagem que denuncia a farsa à imprensa já havia aparecido antes, mas não fiz a ligação com o título porque antes não se cita a promissória em si, e é colocado de uma forma corriqueira, um exemplo:

“Seu livro não era cínico nem crédulo. A postura dele subjazia uma seriedade fundamental. Por exemplo, ele menciona no livro que um jovem chamado Wilkins havia batido à sua porta para alegar que o falecido lhe devia três dólares e oitenta centavos, e havia pedido que o dr. Harden averiguasse o que o falecido queria que se fizesse a respeito. Isso o dr. Harden rejeitou categoricamente. Considerava esse tipo de solicitação comparável a rezar aos santos por causa de um guarda-chuva perdido.”

É genial. O leitor vai ficar pensando depois que se o dr. Harden tivesse atendido ao pedido do infeliz sr. Wilkins, o desfecho teria sido bastante diferente. E tudo por causa de três dólares e oitenta centavos.

Passada toda a história, o parágrafo final reforça o desespero do editor no primeiro parágrafo do conto, ao dizer que precisa de dinheiro. Até se chegar ao final da história, essa afirmação imprimia certa banalidade: é um editor, editores sofrem, precisam publicar para gerar dinheiro, nada mais comum, até para os dias de hoje. O mau negócio do livro psicografado explica, justifica e intensifica o desespero do editor.

“Fazer o quê”

O segundo conto do livro é o mais estranho. Inicia-se com a visita de um jovem médico assistente à uma cliente de seu chefe; chegando à casa, descobre-se que a mulher foi à ópera com o marido e deixou a filha pré-adolescente (ou adolescente, não fica clara a idade da jovem) a tarefa de entregar uma carta ao doutor. A carta não explica muita coisa sobre o mal dessa senhora, e acrescenta um problema com o seu filho menor, mencionando o roubo de algo que o médico não consegue entender, “bluga”. A adolescente é um tanto quanto avoada, embora logo no primeiro parágrafo diz-se que não era “vaga” e o doutor é acometido de uma paixonite. O menino é tão estranho quanto; é dele a frase que nomeia o conto “Vai fazer o quê?” dita no diálogo confuso que ambos têm no quarto. Depois de um par de horas ouvindo as histórias da mãe que voltara da ópera, ainda assim sem resolver nada, o doutor sai da casa e atravessa a cidade para tratar de outro assunto que, antes mencionado, deixa a ideia de que se trata de um caso amoroso. Chegando ao destino, o doutor encontra com o marido da mulher a quem ele foi visitar e que voltava de viagem; o homem está certo de que o doutor tem um caso com a sua esposa e o ameaça, pedindo-lhe que entre no carro porque quer que ele assine um cheque e uma carta, que usará para o pedido de divórcio. Aí é que ocorre uma das passagens mais confusas da história: demora-se para perceber que o menino que o doutor visitara horas antes havia se escondido em seu carro e, portanto, o acompanhado até ali; é ele quem bota o marido traído para correr. O doutor leva o menino para casa e se dirige para o consultório, pois já é manhã. Ele confronta seu chefe, que o sobrecarrega, mas que precisa dele, com a mesma frase do garoto: “Vai fazer o quê?”. No mesmo dia, volta à casa da família com o pretexto de ver o menino; o final é meio obscuro, uma conversa entre a garota e o médico. A impressão que eu tive é que ele agarra a garota, impelido pela pergunta dela: “Vai fazer o quê?”.

Como eu escrevi acima, esse conto é bastante estranho. Primeiro, porque a narrativa é confusa: em várias passagens não se entende direito a sucessão de fatos, os diálogos não fazem sentido, tampouco levam a algum lugar, a família é acometida de uma espécie de dissociação da realidade. Porém, também em razão da clareza da narrativa do conto anterior, eu penso que seja proposital: os acontecimentos se desenrolam em um espaço de aproximadamente 24 horas e, considerando que a narrativa se inicia à noite, pode-se pressupor que o protagonista, o jovem médico, está há pelo menos 36 horas sem dormir; entendo a confusão da narrativa como um recurso para mimetizar o sonho e, de fato, a falta de coerência em vários trechos me causou essa sensação.

“Vai fazer o quê?” é a frase que conduz o conto; desde o primeiro momento em que é proferida, parece ter um efeito mágico sobre a personagem que a ouve, alterando sua atitude. A despeito do caráter de desafio da frase, as personagens reagem de forma “positiva” a ela: o jovem médico que substitui a ameaça e conversa com o menino, o chefe que reconhece o assistente, o enamorado que salta de um discurso truncado à “demonstração prática”.

O curioso em minha leitura é que o título inicialmente me remeteu a outro significado: “fazer o quê” no sentido de “situação irremediável” ou “problema sem solução”; também creio que essa colocação seja proposital, porque inclui outra camada de direções. Espero também ter a oportunidade de reler esse conto na língua original um dia (“What to do about it”).

“Eu morreria por ti”

Para mim, esse é o conto mais incômodo dos três nesse livro.

Há um grupo hospedado em um hotel luxuoso, para gravar cenas de um filme. Fazem parte desse grupo Roger Clark e Atlanta Downs, ficando claro já no início de que ele a vê como uma potencial boa esposa. Surge então, o senhor Delannux, a quem chamam de “Carley Suicídio” por causa dos boatos de que as “garotas dele” tenham cometido suicídio depois dos rompimentos. Atlanta e Carley se aproximam e a garota passa a nutrir sentimentos por ele; ela conhece a srta. Panzer, uma enfermeira que cuidou de Carley quando esteve doente, e que também é apaixonada por ele. Atlanta ouve uma conversa entre os dois: a moça ameaça se matar já que está apaixonada por ele e sabe que ele não a ama. Quando Carley resolve ir embora, está fugindo de oficiais da justiça que pretender dar-lhe uma intimação, Atlanta entra em desespero e foge para o cume do monte onde estavam ocorrendo as gravações; ao saber disso, Roger vai atrás dela. Ela diz que a intenção dela era se jogar, mas não o faz. Antes disso, Roger estava presente quando Carley foi preso, denunciado para a justiça pela srta. Panzer. Quando voltam ao hotel, descobrem que Carley fugiu do oficial e Roger ouve de outras pessoas, mas não conta para Atlanta, que ele se jogou do monte.

O amor romântico já não é um tema que me interesse muito; tratado da forma como nesse conto é como um repelente. Não me convenceu esse “amor” que Atlanta teve pelo Carley, que apareceu de forma tão rápida quanto foi embora, nem que fosse tão imperativo a ponto da jovem atriz, com uma carreira e vida inteiros pela frente, pensasse em se matar em razão da rejeição desse homem. O efeito que causou em mim foi de uma personagem infantil e fantasiosa, um tanto quanto dramática. A única perspectiva que me faz considerar gostar desse conto é a que Atlanta tenha sido envolvida pelas histórias misteriosas das mulheres que se apaixonaram perdidamente por Carley a ponto de tirar suas próprias vidas (o que se descobre depois não passarem de boatos caluniosos) e que isso tenha influenciado em seus sentimentos. Porém, essa não foi a interpretação que me ocorreu de forma espontânea.

Apesar do que disse acima, não achei que o conto é de todo ruim; o fato do Sr. Carley se matar, fazendo jus ao apelido “Carley Suicídio”, me parece mais interessante quando coloco o título do conto sobre a perspectiva dele, que morre porque estava a ponto de perder o que mais amava: sua liberdade.  

Fitzgerald e a figura feminina 

A biografia de Fitzgerald conta com desrespeito às mulheres, sobretudo, sua esposa Zelda – pesquise; você vai achar muito material sobre o ofuscamento dela e os roubos artísticos. 

Acho importante colocar isso aqui, uma vez que tenha me incomodado a construção das personagens femininas nesses três contos. Conheço muito pouco da obra do autor (esse foi o primeiro contato) e não quero generalizar, porém, penso que o valor de uma obra é constituído de vários elementos e que analisá-la isoladamente seja de certa forma irresponsável, sobretudo quando se trata de obras escritas há muito tempo, épocas em que a visão de mundo difere da atual, permeadas por pensamentos já não mais aceitos. Assim, acho importante incluir essa informação na discussão.

Notas sobre o aspecto formal e estilístico do autor

Os três contos desse livro têm narrativas bastante distintas, e não é só pelos temas: “A promissória” conta com maior objetividade e clareza, “Fazer o quê”, pelo contrário, é obscuro e confuso e “Eu morreria por ti” é composto por descrições muito bonitas, aproximando o conto a um estilo mais romanesco. São bons exemplos de como a forma pode servir ao conteúdo. No geral, me agradou bastante o aspecto formal do texto, achei as narrativas bem humoradas e originais. Queria destacar duas passagens que achei bastante interessantes, que expressão bem a ideia de repetição: 

“Passariam a noite toda dispondo o livro em quadrados e montes e pilhas e círculos e corações e estrelas e paralelogramos.”

“Devemos ter passado por esse fazendeiro umas dez ou quinze vezes até que…”. 

(Na narrativa fica claro que não era o mesmo fazendeiro, afinal, o narrador estava dentro de um trem; destaquei o trecho por achei singular a forma que o autor encontrou para expressar a ideia de uma paisagem imutável).

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Você tem o costume de ler o colofão?

(Se esse trecho da resenha está parecendo aleatório para você é porque você não leu o colofão desse livro. Leia. Deveria. Eu achei uma graça.) 

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