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Antes que ele acabe comigo

Crônica de escrita: por que é tão difícil terminar um texto? Como finalizar um texto? Como saber que um texto está pronto? Os desafios de escrever,

Desenho da maravilhosa, imbatível, deusa: @ca.fortes.art (Carla Fortes)

Começo a escrever essa pequena crônica de escrita no dia em que enfim admito para mim mesma que chegou o momento de finalizar a primeira versão do conto “A cadeira”, que não sei ainda se se firmará com esse título, quase certa de que se classificará como uma novela. Também é certo que o derradeiro ponto não encerra todo o processo; virá a primeira revisão, as alterações, a segunda revisão, a terceira revisão, quantas revisões forem necessárias até que o texto se recuse a tomar novas formas e eu, enfim, direi: “Terminei!” – quando na verdade é o texto que acabará comigo, me botará para fora. Depois de alguns dias, semanas, meses, sei: o lerei de novo e, sob um novo olhar, outras alterações se apresentarão. Agir ou não dependerá do que foi feito desse texto; se publicado, é improvável que volte a mexer nele, a não ser que haja algo muito errado que meu olhar bitolado falhou em identificar antes. Ainda assim, sei que a vontade estará para sempre presente. Quantas vezes, na contemplação (necessária) das linhas passadas, tive uma ideia ou outra que melhoraria um trecho, um conflito, uma personagem, já tão longe? Agora mesmo penso que é eterno o sentimento de orfandade ao revisitar o que já foi escrito; o texto enfim parido me abandona, me deixa com a barriga vazia, vive. Independente de mim. Assim como tudo que é nutrido e cresce, rompe a casca da semente, me parece antinatural forçá-lo ao retorno à incubadora.

Comecei a pensar nestas coisas enquanto o laptop inicializava, liguei-o animada com a ideia de começar a escrever o momento final do conto-novela. “Se eu não anotar esses pensamentos vou esquecer”. Sei que é verdade: está ilustrada no meu caderninho de rabiscos, que me lembra das ideias já não familiares. Algumas frases de duas linhas, no máximo, me fazem pensar que deveria ter desenvolvido melhor aquele borrão. “O que eu estava pensando quando escrevi isso?”. Já não faz mais sentido, está para sempre dormindo em um limbo que com certeza carrega muito mais linhas do que me recordo. Pronto. Tenho que desenvolver um pouco esta ideia; vai no computador mesmo, já são quase trinta linhas e trinta minutos perdidos. Agora mesmo tenho outra ideia. Peralá.

Na maioria das vezes começo um texto já sabendo como termina. É comum que o final, ou o meio, ou o começo, mude ao longo do trabalho e isso não é um problema. Portanto, se não é a falta de ideia para terminar, de onde vem essa resistência? Quanto mais avanço na escrita, mais difícil fica terminar; ouso dizer, pessoalmente, é até mais fácil começar. Inclusive, existe uma fila de textos só aguardando a hora de serem escritos, alguns dos quais já com começo, meio e fim bem delineados, trechos inteiros prontos. Não é a falta de ideias para começar outro texto, tampouco. É menos sobre o texto. É sobre o cérebro (e o coração) que maneja a caneta, ou as teclas, tanto faz. É sobre a paixão.

Penso que ter um trabalho em andamento é também estar dentro de uma zona de conforto. Por mais difícil que seja encontrá-lo e conhecê-lo, depois, a fase do desenvolvimento é como o início de um namoro: a energia vai às alturas, tudo parece bonito e positivo, esperançoso, o que está errado se encontra um jeito de contornar. Deixá-lo (o texto, o objeto da paixão – tanto faz) é lançar-se novamente ao desconhecido, perder o acolhimento e a segurança. Começar de novo. Como nos relacionamentos, a escritora, em essência, é a mesma, mas aprendeu algumas coisas; sabe que por mais que se pareçam, o antigo e o novo são diferentes, e terá que enfrentar da melhor maneira que puder os percalços que ainda não conhece. Vai doer. Vai fazê-la feliz. Ela vai sofrer de novo. E recomeçar.

Consciente da minha autossabotagem, privo-me de me repetir e tornar esses pensamentos cansativos para quem os lê.

Termino o texto.

Antes que ele acabe comigo.

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