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Resenha: A trégua – Mario Benedetti

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Resenha do livro “A trégua” de Mario Benedetti

Sinopse

Um grande amor pode ser uma trégua na vida.

Publicado em 1960, A Trégua é o mais famoso romance de Mario Benedetti e uma das obras mais importantes da literatura latino-americana contemporânea. Escrito em formato de diário, com um texto incisivo, muitas vezes irônico, o livro conta a história de Matín Santomé, um “homem maduro, de muita bondade, meio apagado mas inteligente”.

Prestes a completar cinquenta anos, viúvo há mais de vinte, Santomé mora com os três filhos. Não se relaciona bem com nenhum deles, tem poucos amigos e mantém uma rotina cinzenta, sem sobressaltos. No diário, conta os dias que faltam para a aposentadoria, mas não tem ideia do que fará assim que se livrar do trabalho maçante.

Seu destino, no entanto, mudará quando conhecer Laura Avellaneda, uma jovem discreta e tímida. Com ela, Martín Santomé voltará a conhecer o amor, numa luminosa trégua para uma vida até então taciturna e opaca. Este livro é, porém, muito mais do que uma história de amor. É um belíssimo questionamento sobre a felicidade e um retrato às vezes bem-humorado, às vezes ferino, dos difíceis relacionamentos humanos.

Atenção: esse texto contém spoilers. Se você ainda não leu este livro, recomendo que o faça antes de se aventurar por essas linhas.

O objetivo dessa resenha não é fazer um resumo ou explicar a obra; este texto é uma livre exposição de experiências pessoais de leitura.

“Porque já aprendi que meus estados de pré-explosão nem sempre conduzem à explosão. Às vezes terminam numa humilhação lúcida, numa aceitação irremediável das circunstâncias e de suas diversas e agravantes pressões. ”

A Trégua – Mario Benedetti

 

Comentários da Lis:

“Tomara que se sinta ao mesmo tempo protetor e protegido, uma das mais agradáveis sensações que o ser humano se pode permitir. “

Conheci Benedetti em 2019 em “Primavera num espelho partido” e já me havia encantado com a escrita dele. O que mais me impressionou naquele momento foi a capacidade incrível de dar vozes únicas a cada narrador daquela história.

Em 2021 com “A trégua” descobri que preciso saber mais de Benedetti. Além de firmar o que eu já pensava sobre seu estilo ímpar de contar histórias, fui sequestrada pela profundidade da ideia dessa obra, que, com certeza, é uma das melhores que li no ano passado.

É um livro sem grandes acontecimentos, estruturado em forma de diário e, talvez por isso, muito íntimo. Martín Santomé é uma personagem por vezes odiosa, mas por quem é quase impossível não sentir alguma empatia. Como não gostar de um livro cujo conflito não está nas linhas que se lê, mas que se forma sem seu próprio coração?

Deixo alguns comentários abaixo sobre pontos que mais me chamaram atenção.

Martín Santomé

Pessoalmente, penso ser irresponsável julgar uma obra – e suas personagens – desconsiderando contexto e proposta. Martín Santomé é uma personagem cujas características seriam bastante reprováveis em uma pessoa na contemporaneidade: ele é machista, homofóbico, pouco afetuoso com a família, e até certo ponto narcisista. Em outras palavras: “um homem de sua época”. Estranho se não fosse. Inclusive creio que esse seja um dos pontos que torna a obra tão mais potente hoje, porque cria esse conflito incômodo para a pessoa que lê: até um Martín Santomé merece experienciar um amor assim e viver uma trégua. Não é?

Em particular, acho delicioso o fato de ele tentar justificar a dinâmica do “assunto” com o argumento de que não quer prender Avellaneda em uma situação porque ela é jovem demais, quando, na verdade, tem receio de ser corneado. Quem nunca tentou enganar a si mesmo?

No fim, as pessoas são como são, têm luz e sombras, e sempre precisaremos das personagens de moral questionável, afinal, personagens perfeitas só são boas em literatura ruim.  

A Trégua

“A teoria dela, a grande teoria da sua vida, a que a mantém em forma, é que a felicidade, a verdadeira felicidade, é um estado muito menos angelical e até bem menos agradável do que tudo o que a gente sempre tende a sonhar. Ela diz que, em geral, as pessoas acabam se sentindo desgraçadas só por terem acreditado que a felicidade era uma permanente sensação de indefinível bem-estar, de êxtase gozoso, de festival perpétuo. Não, diz ela, a felicidade é bastante menos (ou talvez bastante mais, só que, de todo modo, é outra coisa), e o fato é que, na verdade, muitos desses supostos desgraçados são felizes, mas não se dão conta, não o admitem, porque acreditam estar muito longe do bem-estar máximo.”

Eis o trecho que, para mim, é um prelúdio à explicação do título. (Claro, se precisasse explicá-lo).

“Trégua” talvez seja uma das palavras mais interessantes que existem, porque é uma só palavra e, sozinha, já conta uma pequena história. Confesso que li praticamente o livro todo sem me questionar muito sobre o título, distraída com o encantamento produzido pelas demais palavras de Benedetti. Perceber foi angustiante.

Mais para o final do livro, a mãe de Avellaneda desmente a teoria, explicando que “Foi uma bela mentira, um conto de fadas para que minha filha não perdesse o pé, para que minha filha se sentisse viver. Foi o melhor presente que lhe dei. Pobrezinha.” Curioso que as duas passagens mais poderosas do livro, na minha opinião, envolvam uma personagem que mal aparece na obra. É incrível que ela mesma não acreditasse na própria teoria, que me parece tão verdadeira. Porém, lembrando do que ela diz um pouco antes, sobre a paternidade de Laura, percebe-se a angústia dessa mulher, que provavelmente viveu uma época de grande felicidade, e que se acabou. Penso que a teoria nasceu mais de uma necessidade pessoal de se convencer do que proteger a filha.

Um final desnecessário

(Ou: Meu Deus. Meu deus. Meu Deus)

“Como é ruim nos dizerem a verdade, sobretudo quando se trata de uma dessas verdades que evitamos dizer a nós mesmos até nos solilóquios matinais, quando acabamos de acordar e murmuramos bobagens amargas, profundamente antipáticas, carregadas de autorrancor, as quais é preciso dissipar antes de despertarmos por completo e de colocarmos a máscara que, no resto do dia, será vista pelos outros e verá os outros!”

“Um final desnecessário” foi o que eu fiquei pensando quando terminei de ler a obra. Claro que não é desnecessário, mas a minha dor foi tão grande que essa foi a melhor maneira que encontrei de “ferir” o que me feriu.

Em algum momento da narrativa, a teoria da felicidade da mãe de Laura se entranhou tão profundamente em mim que eu cheguei a acreditar que qualquer coisa poderia acontecer e, mesmo assim, estaria tudo bem, ainda assim estaríamos em posse da felicidade. Benedetti, com toda a sua genialidade, oferece a trégua. E ponto. É da natureza da trégua acabar. (Mas o ser humano é um ser esperançoso, não é?) E Benedetti nos mostra na prática a verdade maior da teoria da felicidade: por mais que saibamos que a felicidade tal como a imaginamos é uma ilusão, ainda assim precisamos estar iludidos. Precisamos da Trégua. Talvez seja essa a verdadeira felicidade, existir o que buscar.

“É como se eu me dividisse em dois entes díspares, contraditórios, independentes, um que sabe de cor seu trabalho, que domina ao máximo as variantes e os meandros dele, que está sempre seguro de onde pisa, e outro sonhador e febril, frustradamente apaixonado, um sujeito triste que, no entanto, teve, tem e terá vocação para a alegria, um distraído a quem não importa por onde corre a pena nem que coisas escreve a tinta azul que em oito meses ficará negra.”

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A trégua – Compre aqui

Primavera num espelho partido – Compre aqui 

A borra do café – Compre aqui

Montevideanos – Compre aqui

O amor, as mulheres e a vida – Compre aqui

Por que comprar?

(leia com amor no coração)

Você sabia que pirataria é crime? Aquele pdf que você baixa e lê com tanto amor pode parecer inocente, mas é criminoso. Ao invés de se esconder sob o pretexto da acessibilidade da cultura, se você pode pagar por uma obra, pague. Pense que ler um pdf é como sair de uma padaria com um pão na mão, sem pagar; o padeiro trabalhou um tempo nessa massa, o forno também, além do custo com o gás, equipamentos, aluguel do estabelecimento, etc. Se quiser ir ainda mais longe, pense no trigo que você não plantou, na rega que você não fez, da colheita que você não participou, a farinha que não foi moída por você. Você foi lá e só pegou o pão. Com um livro é mais ou menos a mesma coisa: o autor / a autora trabalha meses em um texto (não se iluda, não se escreve um livro em dois dias), envolve outros profissionais no trabalho (revisores, preparadores, capistas, tradutores, etc.), faz evento de lançamento, etc. etc. (Sim, muitos eteceteras). Se você acha injusto o preço de um livro, procure meios de mudar isso ao invés de roubar. Já experimentou, por exemplo, comprar de uma autora ou autor independente? Além de receber um livro com dedicatória, você estará verdadeiramente apoiando a cultura, dando subsídios para que uma escritora ou escritor continue escrevendo. Isso também vale para pequenas editoras e livrarias.

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