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Resenha: Aprender a falar com as plantas – Marta Orriols

aprender a falar com as plantas

Resenha do livro “Aprender a falar com as plantas” de Marta Orriols

Sinopse

Paula é uma médica neonatologista, imersa no trabalho, que leva a vida sem muitos sobressaltos. Até o dia em que perde o companheiro num acidente de trânsito algumas horas depois de receber a notícia de que ele tinha outra mulher. Então Paula precisa lidar com o luto dobrado, a dor da traição e o rancor, tudo isso num apartamento repleto das plantas deixadas por ele. E o rastro de uma mulher vista no hospital é o último laço com um homem que passou quinze anos ao seu lado e deixou de existir de forma súbita e bruta.

“Sempre tenho me lembrado que tudo que se compromete a permanecer pode ir embora sem avisar, e aquilo que se enche pode se esvaziar de repente com a violência de um arranhão. ”

Aprender a falar com as plantas – Marta Orriols

Atenção: esse texto contém spoilers. Se você ainda não leu este livro, recomendo que o faça antes de se aventurar por essas linhas.

O objetivo dessa resenha não é fazer um resumo ou explicar a obra; este texto é uma livre exposição de experiências pessoais de leitura.

Comentários da Lis:

Confesso que quando recebi o livro, a despeito do projeto gráfico magnífico, não fiquei muito animada para ler. A temática do amor romântico dificilmente me atrai, e a promessa dessa mistura com luto e traição me deixou um pouco com preguiça. Mas é por isso que entro no meu 7º ano de assinatura da @taglivros satisfeitíssima: fui positivamente surpreendida por esse livro que, em um primeiro olhar, eu não escolheria por vontade própria ler.

Essa obra é o exemplo perfeito de que as mesmas histórias podem ser contadas várias vezes, de diferentes formas, e encantar. Paula, a protagonista, tem uma autoconsciência admirável e uma sinceridade assombrosa consigo mesma. Para mim, é a principal originalidade do livro. Em várias passagens, essa personagem me cativou de tal forma, mesmo em suas confusões, que eu desejei poder convidá-la para um café e bate-papo.

A seguir, alguns pontos sobre essa história que achei relevante destacar.

A morte

“Como em uma paleta de cores, quando você conhece de perto a dor, você consegue distinguir uma gama de tons, e o tom da dor física nunca é tão sombrio como o da dor mental.”

Paula é uma personagem que sofre. Sabemos que a dor da perda do esposo está ali, Paula diz isso com todas as palavras; porém, mesmo que ela abuse dos verbos no presente, parece haver um distanciamento dessa dor. A narradora dessa história é a Paula do futuro: aquela que já superou da melhor maneira que pôde o sofrimento e a vida que continuava. E quase nem acredita como conseguiu.

Outra coisa brutal nessa narrativa é que a morte do marido e a morte do relacionamento ocorrem em dois momentos diferentes da história, porém, o impacto real da morte do relacionamento ainda reverbera nela quando ocorre o segundo abalo. A gente se pega desejando, pelo bem de Paula, que ela pudesse lidar com apenas um luto.

Me partiu o coração entender no final que no dia em que o marido diz a ela que vai deixá-la, deixá-la por outra mulher, ela tinha outra coisa na cabeça, comunicar-lhe talvez a mais difícil decisão que tomou na vida, que era a de ter um filho com ele. É como se apenas ela tivesse tentado resistir àquela morte sozinha. A autora vai criando fendas emocionais onde as dores se tornam cada vez mais profundas e difíceis de se lidar.

“No protocolo dos que ficam há alguma coisa que diga quando se pode sair para brincar sem que as pessoas considerem você uma piranha?”

A morte é um tabu. Corpo e mente de quem fica devem, por protocolo, serem preenchidos pela dor da perda. Quem já perdeu um ente muito querido e próximo sabe que por mais que a dor seja imensa, ela não é capaz de nos preencher por inteiro. Porém, o protocolo exige o tormento e se sofre também por achar que não está sofrendo o suficiente pela perda. “O que há de errado comigo?”, há de se pensar. Em “Aprender a falar com as plantas”, a narradora expõe com a mais absoluta sinceridade os seus sentimentos, aqueles que o protocolo manda esconder: eu estou viva e continuarei. A morte não é um tabu para ela. Só é. Como o caos de sua vida, que ela surpreendentemente não tenta organizar, apenas aprender a conviver.

“O que há de mais oposto à morte é o desejo. Fantasmas dentro do meu cérebro rarefeito. Ainda preciso domesticá-los. A morte obriga a certa solenidade, à inatividade, a renegociar com cada coisa que dava sentido à vida de antes para se readaptar à de agora.”

O que é o amor?

“Você gostava de me comprar sapatos. Eu não falava, mas não costumavam me entusiasmar aqueles que você escolhia para mim. Eu lamentava isso e os calçava para te deixar contente. Eram sapatos para uma mulher que não tinha meus pés, nem o meu estilo que não era estilo. Eram sapatos para uma mulher que não era eu.”

Essa passagem do livro é densa e me fez refletir profundamente sobre os sentidos de amar. Por um lado, Mauro demonstra seu amor presenteando com sapatos. É uma forma de amar. Uma forma que se mostra com frequência insuficiente na vida real quando o par não ama da mesma maneira e não tem consciência disso. Mauro presenteia com aqueles sapatos, que o deixam contente, sem saber que não é o que deixa Paula contente. Paula os usa, infeliz. E eternamente aquele casal vive assim, sem se comunicar, sem se encaixar em suas formas de amar.

Com essa leitura também me peguei pensando também sobre a finitude do amor. Em um relacionamento de 15 anos, como o de Paula e Mauro, o amor pode acabar? Mauro me mostrou que talvez seja menos uma questão de extinção do amor do que aquele momento em que se percebe que, ao lado daquela pessoa, a vida não se encaminhou da maneira que gostaria. Talvez o amor mesmo não se encerre, apenas os relacionamentos. Existe um amor da vida e um amor para a vida; feliz daqueles que os têm na mesma pessoa.

A autoconsciência de Paula

“Se o Mauro estivesse vivo e me perguntassem se está tudo bem, me limitaria a dizer, como todos os mortais se limitam a dizer, “Vou indo. E você?”, e mudaríamos de assunto, porque, na realidade, saberíamos que, com mais ou menos sucesso, enquanto estivermos vivos, estamos bem, saberíamos que é uma simples pergunta, uma cunha, uma formalidade linguística para começar uma conversa, mas o Mauro não está vivo e as respostas esperadas exigem que me mostre frágil por condescendência.”

Como eu escrevi antes, a autoconsciência de Paula me surpreendeu e me cativou. Ela sofre, sabe que sofre, sabe os porquês, não sabe o que fazer exatamente para parar de doer, ou sabe que só o tempo fará isso por ela. Ela também tem consciência de sua bagunça interior e parece não lutar contra. É preciso muita coragem para ser paciente, tolerante e, principalmente, sincero consigo mesmo.

“Quando se está sozinha, é importante manter certas doses de diálogo consigo mesma, se colocar entre a espada e a parede, não se permitir tudo.”

Acho que é também por isso que ela nos presenteia com as atitudes mais imprevisíveis em relação a Carla, a amante e amor do seu finado marido.

Primeiro, a cena do hospital, em que Paula acaba, de certa forma, consolando Carla; em um primeiro momento, pensei que Paula pudesse estar tão em choque, anestesiada, que ignorasse o que estava ela mesma fazendo. Conhecendo-a melhor, para mim, parece que Paula compreendia as similaridades dos sentimentos, dela e de Carla, e também as suas diferenças: para o futuro de Paula, a morte de Mauro apenas consolidava a ausência dele; para Carla, era também a morte do futuro com ele.

Depois, Paula e Carla se encontram. A necessidade real disso talvez nem mesmo Paula compreendia, é apenas como uma sombra que precisa ser iluminada para poder desaparecer. A leitora e o leitor talvez tenham a carência clichê de que elas tivessem uma conversa conclusiva, recheada de perdão, mas não: Marta Orriols nos mostra que, assim como a própria morte, a remissão também é um mistério. Descobrimos, então, o limite da paciência e tolerância de Paula.

Notas sobre o aspecto formal da obra e estilístico da autora

“Baixa o olhar e se concentra no café. Mexe a colher de plástico devagar e, antes de falar, inspira sonoramente, seu corpo se alarga como se tivesse aberto um guarda-chuva no meio das costelas.”

Uma das coisas que mais gostei no estilo de Marta Orriols foi esse detalhismo em algumas cenas. É muito potente, porque constrói a cena em imagens muito vívidas na mente da pessoa que lê, como se a colocasse no mesmo ambiente que as personagens.

“Tira um fio de tabaco da ponta da língua com o dedo mínimo.”

A autora é uma mestra no tempo desses detalhes, e, ao invés da descrição minuciosa se tornar um enfado, pelo contrário, cresce o impacto da cena, como se o mundo parasse e aquele detalhe se tornasse de repente a coisa mais importante e mais bela da existência.

“Os cachos do seu cabelo dão cambalhotas enquanto arruma os pratos e guarda tudo em potes.”

A obra toda é constituída de imagens originais, as combinações de palavras são ímpares, a verdadeira prosa poética.

“Hoje de manhã o céu tem franjas coralinas.”

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1 comentário em “Resenha: Aprender a falar com as plantas – Marta Orriols”

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